sexta-feira, 25 de abril de 2008

O medo do goleiro diante do pênalti

Futebol e literatura são dois temas que sempre se combinaram. Há casos como a paixão do escritor Zé Lins do Rego pelo Flamengo e o amor de João Cabral pelo América de Natal. Para falar de contemporâneos nossos, cito a paixão colorada do gaúcho Veríssimo e as crônicas esportivas do santista Zé Roberto Torero. Isso sem falar nos famosos "irmãos karamazov" do futebol - o cronista tricolor Nelson Rodrigues e o jornalista rubro-negro Mário Filho que travaram vários embates memoráveis quando o assunto era futebol tal qual os diversos Fla-Flus que já aconteceram no Maraca.
Um caso de nível internacional que gostaria de registrar é a paixão de Albert Camus pelo esporte bretão. Pois este só não seguiu carreira no futebol como goleiro por causa de uma tuberculose. Diziam até que tinha um bom futuro como goleiro. Essa história mereceu até uma homenagem do cineasta alemão Win Wenders.
Da obra de Camus, li pouca coisa. Mas o que me impressionou de fato foi "O Estrangeiro".
Ele buscou nessa novela antecipar as idéias do mito de Sísifo (ensaio que publicou posteriormente a esse), expondo sua visão filosófica do absurdo, nascida da contradição entre o homem e sua situação irracional no mundo, da sua nostalgia de paz e da terrível realidade do sofrimento cotidiano. O conhecimento lúcido de sua condição faz com que o homem seja profundamente livre se desligando das regras comuns e se decida a aprender a viver sem apelo.
Para o escritor argelino, a aventura humana é absurda não apenas porque o homem se percebe despojado de uma razão onipotente, mas também porque o homem é mortal. Ele recusa aquilo que chama o absurdo de uma morte possível.
Camus permanece nas fronteiras da razão, fiel à sua agonia, sem querer ultrapassá-la. Transcender a razão significa trair o clima do absurdo ao qual pretende manter-se, já que esse clima constitui o básico da aventura humana, fora do qual tudo é ilusão ou busca de consolo.
Toda a trama da história gira em torno da vida rotineira e medíocre do personagem, violentamente transformada quando ele assassina, sem razão aparente, um árabe. O herói criado por Camus é confuso, perplexo, inconsciente, incapaz de pensar claramente.
A preocupação do autor é a descrição de experiência absurda. A história descreve o ambiente absurdo e como o homem locomove-se dentro dele. Não há uma tentativa de racionalização do absurdo. O sucesso da obra está na objetividade com que consegue transferir para o leitor a vivência absurda. O absurdo surge para o leitor não como conseqüência da existência criada por Camus, mas sim porque a própria vida é absurda.

domingo, 13 de abril de 2008

Divina dama

Há exatos 87 anos nascia a grande dama do samba carioca, Dona Ivone Lara. Personalidade de grande destaque no samba, foi a primeira mulher a integrar a ala de compositores de uma escola de samba, a GRES Império Serrano do bairro de Madureira (RJ). Cantora e compositora de sambas antológicos, teve um início de carreira dos mais promissores. Ao lado de uma das maiores figuras da Império, o sambista Silas de Oliveira (que merecerá com certeza algum dia desses uma homenagem por aqui e dispensa maiores comentários), compôs um dos melhores sambas-enredo de todos os tempos, juntamente com Bacalhau: "Os Cinco bailes da história do Rio" (1965).
Suas composições, ao mesmo tempo simples e de uma sensibilidade tamanha, já foram gravadas por diversas personalidades como "Sonho meu", "Acreditar" e "Sereia Guiomar", todos esses sambas compostos com Délcio Carvalho, um de seus parceiros mais constantes. Algumas de suas obras têm familiaridade com o jongo - estilo de dança de origem negra e que tem na Serrinha de Madureira uma das poucas comunidades negras que ainda preserva essa cultura. "Axé de Ianga (Pai Maior)" e "Preá comeu" são exemplos claros da influência jongueira.
Assim como vários sambistas de sua época, teve um reconhecimento tardio tendo lançado poucos discos até hoje (são sete no total). Felizmente conseguiu ainda em vida ser reverenciada pelos apreciadores da boa música.
Sei que é muito difícil ser tão sucinto ao falar de uma pessoa tão grandiosa e querida como a Dona Ivone Lara, mas a paixão e a emoção me impedem de continuar com o texto. Prefiro cantá-la. Gostaria, então, de encerrar com a antológica letra do samba-enredo composto para Império Serrano, em 1965. Quem souber o ritmo, cante comigo.

Os Cinco Bailes da História do Rio
(Silas de Oliveira/Ivone Lara/Bacalhau)

Carnaval
Doce ilusão
Dê-me um pouco de magia
De perfume e fantasia
E também de sedução
Quero sentir nas asas do infinito
Minha imaginação
Eu e meu amigo Orfeu
Sedentos de orgia e desvario
Cantaremos em sonho
Cinco bailes na história do Rio
Quando a cidade completava vinte anos de existência
Nosso povo dançou
Em seguida era promovida a capital
A corte festejou
Iluminado estava o salão

Na noite da coroação
Ali
No esplendor da alegria
A burguesia
Fez sua aclamação
Vibrando de emoção
Que luxo, a riqueza
Imperou com imponência
A beleza fez presença
Condecorando a independência
Ao erguer a minha taça
Com euforia
Brindei aquela linda valsa
Já no amanhecer do dia
A suntuosidade me acenava
E alegremente sorria
Algo acontecia
Era o fim da monarquia


Parabéns, Dona Ivone. Muitos, mas muitos anos de vida para senhora.
Abenção, vó!